Páginas 161 e 162 do livro A Simêtria Oculta do Amor de Bert Hellinger
Dan
Este é um convite para uma jornada ao passado, em visita a lugares onde aconteceram coisas muitos anos atrás — como velhos soldados a percorrer os campos de batalha em que foram postos duramente a prova. Agora, todos os perigos passaram, todas as dificuldades foram superadas. As chagas da terra cicatrizaram. A relva voltou a crescer há longo tempo, os arbustos florescem, as árvores estão pejadas de frutos cujo perfume embalsama o ar. E mesmo difícil reconhecer o lugar; parece tão diferente da lembrança que temos que precisamos de ajuda para atinar com o caminho.
Enfrentamos o perigo de muitas maneiras. A criança treme de medo à vista de um cão enorme. Chega a mãe, levanta-a e aperta-a nos braços. A tensão
desaparece, os soluços irrompem. E logo, da segurança daquele suave regaço, a criança contempla calmamente o animal. Às vezes não suportamos a visão de nosso próprio sangue; mas, se desviamos o olhar, mal sentimos a dor. Grande alívio, desviar o olhar — um sentido atuando independentemente do outro, não mais se concentrando todos naquele único evento. Já não estamos acabrunhados. Podemos observar, ouvir e sentir a realidade — conhecer o que independe de nossos medos.
Essa jornada permite que cada um de nós, segundo a vontade individual, veja tudo, mas não ao mesmo tempo; experimente tudo, mas não sem proteção. Assim, as coisas importantes são isoladas das que não o são. E quem quiser mandará outra pessoa em seu lugar, como o sonhador em sua confortável poltrona doméstica, a devanear de olhos fechados. O sonhador se põe a caminho, resolve tudo o que precisa ser resolvido, mas ainda assim lá está seguro em sua casa, adormecido.
A jornada nos conduz a uma cidade outrora rica e famosa, mas hoje uma cidade fantasma cheia de vazios. As minas de ouro estão em ruínas, as casas desabitadas ainda estão intactas, o teatro de ópera em bom estado, à espera do público. Mas tudo foi abandonado e só restaram lembranças.
Quem viaja por ali procura e encontra um guia; e, seguindo-o, acha o lugar onde as recordações despertam. Foi nesse lugar que, há muitos e muitos anos, fatos dolorosos aconteceram. Agora, porém, o sol brilha, aquecendo a cidade abandonada. As ruas, no passado estuantes de vida, estão calmas.
O viajante sobe e desce as ruas, encontra a casa lembrada, mas hesita em entrar. O guia entra sozinho para ver se há segurança e inventariar o que foi deixado.
Aguardando do lado de fora, o viajante contempla a rua deserta, evocando vizinhos e velhos amigos, trazendo de volta o tempo dos risos, a descuidada infância alimentada com o júbilo da vida, curiosa de experimentar coisas novas, arrastada para a aventura do grande desconhecido, em desafio ao medo. E o tempo passa.
O guia faz um sinal. O viajante dirige-se para a entrada da casa e dá-se conta de tudo o que as pessoas poderiam ter feito para ajudar aquela criança a superar as dificuldades dos dias idos — pessoas fortes, afetuosas, sábias. É como se essas pessoas estivessem presentes, como se suas vozes pudessem ser ouvidas, como se seu apoio fosse sentido. O guia toma o viajante pela mão e ambos entram na casa.
Segurando com firmeza a mão do guia, o viajante observa serenamente o quarto, fixando-se ora num objeto, ora em outro e, finalmente, no conjunto, tal qual deveria ter sido no passado. Estranho como tudo parece diferente quando observado de um ponto central, na companhia do guia! Lembranças de há muito esquecidas regressam livremente, e muitos fragmentos encontram seu lugar no conjunto. O viajante espera pacientemente até compreender.
Junto com as memórias, irrompem as velhas emoções; e, junto com o sofrimento, irrompe o amor. E como voltar ao lar: algo subsiste à vingança, ao certo e ao errado, enquanto o destino segue o seu curso, a humildade cura e a pureza de alma traz serenidade. O viajante respira profundamente e libera antigas tensões, que desaparecem como água derramada no deserto.
O guia então se volta e diz: “Talvez você tenha levado daqui alguma coisa que não lhe pertence — uma culpa, uma enfermidade, uma crença, um sentimento que não eram seus. Quem sabe se uma decisão então tomada não o prejudicou? Deixe aqui tudo o que pertence ao lugar.”
Essas palavras produzem efeito. Com profundo suspiro, o viajante se sente finalmente livre de um pesado fardo. O guia prossegue: “Mas talvez você tenha deixado aqui algo que deveria levar: uma habilidade ou desejo, alguma culpa ou inocência, possivelmente uma recordação ou esperança e, mesmo, a coragem para viver plenamente a vida. Apanhe o que perdeu ou deixou e leve-o consigo para o futuro.”
Também essas palavras produzem efeito. Revendo o que perdeu e reclamando o que devia ser reclamado, o viajante sente a terra sob os pés e o peso transbordante de sua substância pessoal.
O guia o leva para mais longe, até chegarem a uma porta oculta. Abrem- na… e por fim encontram a reconciliação.
Já não há mais nada a resolver nessa velha casa. Sentindo-se pronto, o viajante agradece ao guia e enceta a jornada de volta. De novo em casa, procura acomodar-se à liberdade e à força recém-encontradas. Mas, secretamente, já planeja a próxima viagem — desta feita para uma terra desconhecida.
Gratidão Eu sou
Dan Dronacharya