“Aquele que escuta os sussurros do vento jamais se perderá.”
O vento de outono soprava com uma suavidade quase melancólica, arrastando folhas douradas pelo caminho de pedras antigas.
Isaura caminhava devagar, seus pensamentos dançando entre a razão e o mistério, o passado e o agora, e entre o amor e o gostar. Seu olhar, sempre intenso, refletia a luz filtrada do sol que se despedia no horizonte, tingindo o céu de laranjas e lilases.
Havia nela uma inquietação silenciosa, como quem já percorreu muitas trilhas invisíveis aos olhos alheios. Sua alma era uma tapeçaria rica com muitas vidas, tecida com fios de questionamento e autodescoberta, cada ponto era um fragmento de uma vida vivida com profundidade e uma morte tola.
Isaura não era apenas mais uma costureira na fábrica da cidade, era benzedeira, curandeira e conselheira de almas errantes; ela foi um farol para muitos daqueles que ousaram atravessar as sombras em busca de si mesmos.
Ao longe, o som do sino de um templo ecoava suavemente, lembrando-a que o mundo tinha um Messias.
Seus pés, guiados por uma força interna que nem sempre exigia explicação, a levaram até um jardim onde uma fonte murmurava em segredo.
Isaura sentou-se à beira d’água, sentindo o frescor das pedras sob suas mãos. Fechou os olhos e respirou fundo, absorvendo a essência do momento. Imóvel, tal qual as pedras do local, ela se deixou levar pelo sussurrar do vento.
Foi então que uma pequena folha pousou em seu colo. Quase imperceptível, ela carregava a delicadeza de algo que apenas os atentos percebem. Isaura sorriu. A vida sempre lhe falava em sussurros.
A folha, outrora parte de um grande carvalho, agora viajava com o vento, sem resistência. E naquele instante, Isaura compreendeu: a jornada não era sobre lutar contra as estações, mas sobre dançar com elas.
Levantou-se, renovada, como se tivesse tomado a poção de força. O mundo à sua volta continuava o mesmo, mas dentro dela, algo havia se transformado. Com passos leves, seguiu adiante, deixando para trás as perguntas que já não necessitavam de respostas.
Na saída do jardim, uma figura se destacava sob a sombra de uma figueira antiga. Era um homem idoso, de olhos serenos e mãos calejadas pelo tempo. Ele segurava um pequeno livro de capa gasta, como se fosse um tesouro esquecido pelo mundo moderno.
— Estava esperando você — disse ele, com um sorriso enigmático.
Isaura franziu a testa, mas não de espanto. Já havia aprendido que a vida tem um jeito curioso de colocar encontros inusitados em seu caminho.
— E como sabia que eu viria? — perguntou, cruzando os braços suavemente.
O velho ergueu o livro e o abriu com cuidado, revelando páginas amareladas repletas de símbolos e escritos que pareciam ter atravessado séculos.
— Porque esta história começou muito antes de você chegar aqui — respondeu ele, oferecendo-lhe o livro.
Isaura hesitou por um momento, mas algo dentro dela a impulsionou a aceitar. Ao tocar a capa, sentiu uma energia antiga, como se páginas e palavras pudessem conter segredos que só ela compreenderia. Virou a primeira folha e encontrou uma frase escrita em uma caligrafia delicada:
“Aquele que escuta os sussurros do vento jamais se perderá.”
Isaura releu as palavras, sentindo-as ressoar em sua mente como um eco vindo de tempos distantes. Olhou para o homem, mas ele apenas assentiu, como se soubesse que o livro agora pertencesse a ela. Inspirando fundo, passou os dedos pelas páginas e percebeu que, apesar da antiguidade do pergaminho, o texto parecia estar vivo, como se moldasse suas palavras conforme ela lia.
Mas a história não tinha fim…
As páginas seguintes estavam em branco. Ela ergueu os olhos para o velho, intrigada e até um tanto quanto irritada.
— O que significa isso? — perguntou.
Ele sorriu, inclinando-se levemente para frente, ajeitando o seu velho chapéu de cortiça.
— Significa que o próximo capítulo deve ser escrito por você. Tudo o que procura, todas as respostas que deseja… não estão no passado, mas na história que você ainda vai contar.
Isaura sentiu um arrepio percorrer sua espinha e hesitou novamente, pensou em não aceitar o livro. Mas havia algo poderoso naquela afirmação. Ela não era apenas uma leitora do destino; era a autora da própria jornada.
Então ela fechou o livro com reverência e, quando levantou os olhos para agradecer ao homem, ele já não estava mais lá. Apenas o vento soprava entre as árvores, trazendo consigo o sussurro das folhas e a certeza de um novo caminho a ser trilhado.
— Olá, olá dona Isaura… Está na hora de acordar, seu terapeuta já chegou.
Isaura abriu os olhos vagarosamente, se espreguiçou, cumprimentou a cuidadora e pediu chá de funcho com mel de laranjeira, torradas de amor e paz com amêndoas. A cuidadora sorriu e olhou para Isaura, que estava toda serena.
— Vejo que hoje a senhora acordou muito bem-disposta. Isaura sorriu, sinalizando positivamente com a cabeça.
O vento sacudiu as cortinas, fazendo ranger as velhas dobradiças da janela antiga do seu quarto, trouxe junto o aroma fresco e tranquilizante da belíssima Aurora e cantou serenamente em seus ouvidos a certeza de que agora, de fato, ela estava dormindo… (risos)
Bem, por ora, é melhor deixarmos a poeira cósmica assentar e permitirmos que o Sol brilhe, trazendo-nos o discernimento.