O AMOR DO BODHISATTVA


“A lenda que vamos contar exprime o conceito ariano do amor através do Bodhisattva, isto é,
Buda, antes de ter conhecido a Iluminação.”


O Bodhisattva percorria o campo à procura daquilo que não sabia. Caminhava a passos
lentos, ora perdido em pensamentos, ora interessando-se pela natureza suntuosamente vestida
com as cores do infinitamente inteligente. De repente, viu uma pomba tão cansada de sulcar
os ares pesados, que estava prestes a cair. Num último esforço, ela conseguiu chegar junto do
sábio e deixou-se cair a seus pés.

  • Suplico-te, Bodhisattva – gemeu – salva-me! Desde esta manha que um abutre me
    persegue. Estou esgotada e só tenho esperança em ti. Vê, lá vem o abutre…está ali!
    Com efeito, um enorme pássaro negro aproximava-se do sábio, mas voava também com tanta
    dificuldade, que fazia pena ver seu esgotamento.
    O Bodhisattva pegou a pomba, escondeu-a na túnica, e murmurou lhe com toda a sua ternura
    fraterna:
  • Sossega o teu cotação, pombinha. Eu sou o Bodhisattva ofereço-te a hospitalidade
    do meu peito e não tens nada a temer.
    Foi então que o abutre pousou diante dele, as plumas em desordem e visivelmente aflito.
  • Pelos deuses, – disse ele – já não posso mais, depois desta terrível manhã de caça!
    Bodhisattva, vi-te esconder a pomba debaixo da túnica, dá-ma depressa, porque me sinto
    desfalecer.
  • Podes estar certo de que não a darei, – respondeu o sábio porque lhe prometi que
    estaria em segurança, e as leis da hospitalidade não podem ser transgredidas sob pena de
    castigo.
  • Essa pomba não te pertence, – explicou o abutre. – É minha. Quando a agarraste,
    estava no limite das forças e ia, como seria justo, cair em meu poder. Vamos, dá-me o que é
    meu!
  • Impossível!
  • Pensa, Bodhisattva: eu sou um abutre, é esta a minha natureza imposta pelos deuses,
    que também me impuseram o meu alimento. Forcei a pomba. Ela é a recompensa do meu
    trabalho de abutre e deves dá-la a mim.
  • Impossível – disse ainda o sábio, mas com a voz pouco segura. – Gostaria muito de te
    agradar, abutre, mas não te posso dar pelo preço que a pedes. Volta à tua caça, é o que tens de
    melhor a fazer!
  • Voltar à caça? A tua graça é cruel, Bodhisattva! Não vês que não sou capaz de voar?
    Se uma raposa me encontra neste estado, estou perdido! Queres que morra de fome ou seja
    devorado por um inimigo? Seja, vou morrer, mas a tua consciência sentirá o peso deste crime.
    O Bodhisattva não precisou meditar muito para compreender que abutre tinha razão, mas a
    pomba também tinha razão em querer salvar a vida e ele também tinha razão em oferecer a
    hospitalidade do seu peito. Como podia ele dizer à pomba que era o salário legítimo do
    abutre? Deveria deixar o abutre devorar a presa?
    O seu coração abrasava-se de piedade, de amor e de cruel incerteza.
    Sacrificar a pomba inocente? Impossível!
    Sacrificar o abutre inocente? Não!
    Só restava uma solução, que iluminou o Bodhisattva.
  • Tens razão, abutre, – disse ele – não te devo privar do teu salário. vou, portanto,
    oferecer-te com a minha carne aquilo a que tens direito.
    Por milagre, surgiram uma balança e uma faca diante do sábio que, num prato pousou a
    pomba e, no outro,, um grande pedaço de carne arrancada de seu próprio corpo.
    Como o fiel se inclinava para o lado da pomba, o Bodhisattva acrescentou um outro tanto da
    sua carne, depois mais outro… o fiel inclinava-se sempre para o mesmo lado; as quantidades
    de carne humana não chegavam a pesar tanto quanto a frágil pomba.
    Então, o Bodhisattva subiu para a balança, cujos pratos se equilibraram imediatamente com
    uma exatidão rigorosa.
    Uma vida por outra vida!
    O abutre, que tinha contemplado a cena em silêncio, bateu as e metamorfoseou-se.
  • Eu sou o deus Indra, – disse – e queria por-te à prova!
    Caiu do céu uma chuva de ambrosia que curou o Bodhisattva, a quem o deus anunciou que
    voltaria a encarnar no corpo do próximo Buda.
    Não há dúvida de que estamos diante duma bela lição de amor, completa e edificante: uma
    vida vale outra vida; a vida de um iniciado não vale mais que o fumo que se evola duma
    chaminé.
    O amor só vale quando é total e se dirige tanto ao nosso irmão abutre, como à nossa irmã
    pedra, ou ao nosso outro irmão, o grãozinho de areia.”
    Foi este o ensinamento iniciático do Bodhisattva.

Gratidão eu sou
OM SVAHA…
Dan Dronacharya.

Sobre Dan

Estudante da consciência, Escritora e Professora de Yoga

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