A vida é plena!
O meu pai gosta de afirmar que “A vida é bela e a gente que estraga ela.”
Ele está certo. Reza a lenda que o filho do homem não veio ao mundo para sobreviver com recursos minguados. Com certeza, não! Se ele por cá esteve, alguma vez na história, não foi por esse propósito, não é verdade?
Dizem que há muito tempo atrás, muito antes da era dos Zagais, andou por aqui um ser luminoso que foi mestre e, portanto, um exemplo para todos nós.
Contam que ele ensinou sobre o amor, a compreensão e o perdão. Não há, no entanto, histórias que mencionem que ele tenha ensinado arrogância, prepotência, soberba ou tirania.
Entretanto, a lenda de que o filho do homem não viverá de migalhas, persiste, e tem muita gente que insiste nisto… A ilusão é a cegueira dos olhos daqueles que só enxergam o que querem ver.
Qual seria o nome apropriado para essa carência humana? Já que não estamos aqui para viver de migalhas? Como podemos nomear esse frenesi da montanha-russa que sustenta e move o mercado de trivialidades, e a corrida sem sentido dos que lotam diariamente as estações de metrô, as rodoviárias e as autoestradas? Como descrever a ausência do abraço familiar, a falta do olhar fraterno e do colo materno? Como classificar a desonestidade nas relações humanas, muitas vezes disfarçada de necessidade ou de obrigações laborais?
Qual é o nome dessa busca insaciável por reconhecimento, por um clique ou por um contrato subvalorizado, embora bem visto, hein? Aqueles que vivem assim não estão de alguma forma a mendigar?
Quem não está sobrevivendo com as migalhas que caem das mesas acima? Qual é a parte da história que desconhecemos? Qual foi parte do conto que não nos contaram? Toda a humanidade segue adiante, mantendo a respiração automaticamente, enquanto luta diariamente por um lugar, um espaço ou um contrato valioso na “alta sociedade” ou um pedaço de pão.
Alguns se gabam disto e bradam aos 4 ventos que essa é a vida em sociedade, mas sabemos que, quando chega o final do dia, o que temos, além de muito lamento e cansaço dos personagens exigidos, resta-nos apenas a sensação de que escapamos por um triz, pois, o pulso ainda pulsa, não é verdade?
Poucos são os que desistem da vida, a imensa maioria de nós insistirá e mesmo com toda carga, imploraremos por mais uma respiração, um momento ou um toque. Apenas um pouco mais da plenitude de viver! Suplicaremos por outra oportunidade, ainda temos vontade de ter aqueles momentos em que a vida é genuína.
A vida em sua totalidade é tudo o que alimenta a alma, eleva o espírito e relaxa completamente o corpo físico. É tudo o que nos encanta, brilha e envolve nossos sentidos, entretanto ela é breve e passará num instante, num piscar de olhos ou menos que isto.
A plenitude da vida parece estar contida num breve espaço de tempo onde a felicidade é completa. Portanto, quem já experimentou a vida faria qualquer coisa para que o relógio, tanto o cronológico quanto os psicológico, parasse e o tempo congelasse. Aqueles que sentiram a vida na sua plenitude, sabem o que significa estar vivo; portanto, é impossível para esses, é não buscar mais desses momentos de vida abundante.
A vida na sua forma mais bela é o próprio Deus em si, e não pode ser feia, enrijecida, dolorida ou adoecida. Estes pormenores acontecem quando a vida está ausente e apenas a mecânica da respiração persiste. Neste movimento robotizado, nós nos tornamos duros, tristes e doentes, perdemos a saúde, a paz e o discernimento. É um ato de irreverência com o nosso Divino pensarmos que existe vida nesses momentos desoladores. A falta de alegria não pode ser chamada de vida.
Embora seja nestes momentos que a vida pode cessar ou ser limitada, que paramos para valorizá-la, mendigamos! Pedimos por mais tempo, sorrisos, amores, aromas e sabores. Suplicamos pela liberdade de falar, amar, gozar ou morrer.
Então, quem é o filho do homem que não veio para viver com migalhas?
A maior miséria é aquela vive na escuridão da alma humana, essa faz coisas terríveis e o único veneno é o despertar da consciência. Este despertar doloroso nasce da aceitação de ser imperfeito, nasce da noção de que você também é escuro em algum momento. A carência afetiva e alimentar também sempre existiu. Portanto em todos os lares, há alguma necessidade a ser suprida, seja de pão, amor ou razão, e há lares que nem têm mesa…
Verdade, é que há coisas que não se compram no mercado; dinheiro ou cartões de crédito podem adquirir pão, mas bondade, discernimento e educação, não! Esses valores são heranças de familia, são os pesos dos brasões e das tradições, valores de berço, como diziam os meus avós.
Em todos os lugares veremos aqueles que possuem riquezas materiais, mas carecem de educação, respondendo com rudeza e grosseria, são tolos, acham que o dinheiro pode comprar empatia.
É de fácil entender que gentileza e a delicadeza são valores pessoais, passados de geração em geração, ou seja, com o dinheiro podemos comprar pão, mas essas virtudes não estão a venda no mercado, não! A vida, ou Deus, é a busca constante de nossa alma, sentimos paz onde há abundância. Quando estamos vivos, nossos corações batem mais forte, as nossas almas cantam e nossos corpos de tão felizes, dançam. Ficamos alegres, sorridentes, leves, curados, plenos e agradecidos.
A doença vem da mente e deve morrer nela para que possamos verdadeiramente perceber a vida, sentir e ouvir o Divino que nos habita. Este é o exercício.
E, mesmo que sintamos a tristeza, devemos entender que ela faz parte das experiências mundanas. No entanto, ela não faz parte de quem somos; nada pode nos roubar nossa essência, e a tristeza, assim como o oxigênio, estão disponíveis, mas não somos eles.
Somos a vontade de acordar todos os dias e tudo aquilo que nos faz sorrir de verdade e contenta o nosso coração bater. Saber o que somos e o que não somos e entender o que os outros dizem que somos é a chave para a primeira porta da vida.
A paz está em si! Silencie todas as vozes do mundo e ouça o seu interior, perceba que a vida vai muito além da respiração mecânica.
Quando nos acalmamos, também esfriamos e podemos silenciar a mente agitada que insiste em acompanhar o mundo.
Acolhemos a morte e a partir dai ficamos prontos para renascer. Aceitar esse processo trará mais vida (Deus) ao seu respirar.
Por agora, deixemos o sol interno brilhar, mesmo que seja inverno.
Gratidão mais uma vez;
Dan Dronacharya
P.S: Este é o artigo da revista Meer do mês de agosto
https://www.meer.com/pt/77065-em-busca-da-plenitude